A poesia é literalmente um convite,
uma inesgotável fonte de possibilidades, uma manifestação de um olhar em
relação ao mundo, afinal ela dispensa objetividade. A obra de José Paulo Paes
endossa tamanha potencialidade deste portador de texto,
Poesia
é
brincar com palavras
como
se brinca
com
bola, papagaio, pião.
Só
que
bola,
papagaio,pião
de
tanto brincar
se
gastam.
As
palavras não:
quanto
mais se brinca
com
elas
mais
novas ficam.
Como
a água do rio
que
é água sempre nova.
Como
cada dia
que
é sempre um novo dia.
Vamos brincar de
poesia?
(PAES, 2009, P. 10)
Especificamente, aqui neste trabalho, a teoria da poesia concreta apresenta-se como uma ferramenta pedagógica favorável no processo de alfabetização em virtude da sua singularidade: características visuais.
Assis (2011) afirma que,
“a poética concreta
se assenta em bases lúdicas, num continuum montar e desmontar do próprio código:
um brinquedo verbal, visual, sonoro, um jogo anagramático para aqueles que
gostam de buscar na palavra, o tesouro escondido, ou ainda, de observar a dança
da palavra, o desenho que gestualiza cores, sons, enfim, sinestesias em um
único objeto poético. “ (ASSIS, 2011, P.174)
Assim, considerando perfil de desenvolvimento infantil da
perspectiva Histórico-Cultural, podemos nos valer que nas das turmas de 1° ano
(5 e 6 anos) as atividades principais das crianças encontram-se em transição:
da atividade do brincar para atividade de estudo. Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico proposto
para esse tipo de grupo fica teoricamente apoiado num perfil de classe de
aprendizagem lúdica em que o processo de aquisição da leitura e da escrita
perpassa também na apropriação de conceitos e procedimentos relativos às diversas
áreas do conhecimento.
Marcuschi (2002, p. 22)
afirma “ (...) a língua é tida como uma forma de ação social e histórica”,
portanto se a escola colocar os gêneros textuais à serviço do
aluno, nada mais nada menos, é trazê-lo para a
prática social.
Exclusivamente neste
estudo, o poema concreto, foi um recurso para uma sequência didática.
O contato/familiarização
do acervo disponibilizado na plataforma Google garantiu uma diversidade do
portador textual que, por fim canalizou-se para a temática de animais. Notou-se
que, visualizar imagens criadas exclusivamente pela engenharia de letras, com
pouco ou sem traçados, causou certo estranhamento, iniciando assim possível quebra
do estereótipo de que somente é possível usar linhas para ilustrar ideias.
A criação teve as vogais
como matéria prima e as letras móveis serviram de instrumento para o brincar de
fazer poesia. Miguez (2009) garante que “(...) toda criança, na criatividade de
suas brincadeiras é um poeta, e todo poeta é um menino crescido com olhar
virgem da infância. Ambos conseguem ver todas as coisas com olhar da primeira
vez.” (MIGUEZ, 2009, P. 36).
Nesse brincar de fazer
poesia a intenção pedagógica se fez presente uma vez que as criações deviam partir
da letra inicial estudada dentro do eixo semântico animais. Caso a circunstância
de estudo fosse a letra A a criação da poesia concreta tinha que se basear em animais
iniciados por ela, tais como aranha, abelha, arara etc. Assim sucessivamente
com as demais vogais. As contribuições visuais dessa ação foram nítidas, pois a
experiência serviu como referência para escrita “ É o A da aranha, não é professora? “
Em seguida o plano de
criação teve como suporte o papel. Nele as criações tinham como objetivo a liberdade,
romper modelos. Falas como “ Isso não parece um elefante, não é
professora?” se fizeram presentes,
sem contar a repetição intensa do propósito da atividade: utilizar a letra
inicial da palavra como riscador - desafio para as crianças que a todo momento tinham
a preocupação em representar suas criações o mais próximo do real. Porém, a socialização
das produções foi o momento nobre para ampliar os olhares e respeitar a poética
própria e alheia.
O último plano de
criação foi o digital. Com o aplicativo Power Point foi possível aos alunos o
brincar de fazer poema com a disposição das letras. A Tecnologia tida como
plataforma inicial das atividades tornou-se também a plataforma final das
produções e, diga-se de passagem, foi o suporte que mais despertou interesse e
ousadia.
Campos e Freitas (2009)
destacam os benefícios da engenharia de letras que a poesia concreta se permite
e que segundo estudos históricos apontam
o francês Apollinari como um explorador desses versos figurados e que acabou intitulando-os
de Calligrames - neologismo formado por duas palavras calligraphe e ideogramme.
Defensor do verso livre, Apollinare a quem também é
creditada a invenção do termo surrealismo, não se baseava numa teoria a priori,
mas no princípio da criação, do vir da imaginação e da intuição, para aproximar
a natureza, uma fonte pura na qual podemos beber sem nenhum risco de envenenamento.
Isto não significa imitá-la, e sim interpretá-la, de acordo com a sensibilidade
do artista. “ (CAMPOS e FREITAS, P. 5)
Para
os poetas o caligrama ou poema concreto é a união da imagem e escrita e esta
relação permitiu aqui neste trabalho sistematizar as possibilidades das
contribuições de um gênero textual até então pouco explorado e/ou utilizado nos
anos iniciais, especificamente no processo de alfabetização.
Então,
que tal brincar de poesia? Miguez (2009) destaca com louvor que “Todo grande leitor
é recriador do texto” (MIGUEZ, 2009, P.46) e aceitar o Convite do poeta José
Paulo Paes (ex)põe em jogo um gênero inovador para as práticas de sistematização
e reflexão sobre a língua materna.
REFERÊNCIAS
ASSIS, A. C. H. Na infância todo corpo poético é
concreto. POIÉSIS - Revista do Programa de Pós-Graduação
em Educação, v.4, n.7, p. 173-186, jan/jun 2011.
BEZERRA, M. A; DIONÍSIO, A. P; MACHADO, A. Gêneros textuais & Ensino. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2002.
BRASIL, Secretaria
de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto nacional
pela alfabetização na idade certa: trabalho com gêneros textuais na sala de
aula: ano 2, unidade 5/ Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2012.
CAMPOS, J. L; FREITAS, R. Caligrama e formulação gráfica: Uma rápida digressão sobre o design
a partir de Foucult, Magritte e Apollinare. 2009. Disponível em http://bocc.ubi.pt/pag/bocc-campos-jorge-caligrama.pdf . Acesso em 11 set. 2013.
MIGUEZ, F. Nas
arte-manhas do imaginário infantil: o lugar da literatura na sala de aula.
Rio de Janeiro: Singular, 2009.
PAES,J.P. Paraiso.
In Poemas para brincar. São Paulo. São Paulo: Ática, 1995, p. 10.
Muito bom! Adorei o material.
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