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Este Blog tem a intenção de registrar e compartilhar as minhas práticas pedagógicas, além de me fazer (re)ler, interpretar e (re)escrever a minha história profissional.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Nossa língua brasileira


Maiores detalhes  Nossa língua brasileira: sequência didática estimula a reflexão sobre as origens da língua falada no Brasil

Jornal Letra A
Belo Horizonte, maio/junho de 2016 - ano 12 - n° 46

Da língua portuguesa à brasileira:a história da língua na alfabetização

É sabido que no processo de alfabetização o uso sistematizado com a língua materna é uma circunstância prevista em currículo. Logo, este relato se apoia numa experiência pedagógica que teve como ponto de partida o seguinte questionamento “Professora, a gente fala língua brasileira e não portuguesa”. Por se tratar de uma pergunta interessante e pertinente num processo de aquisição de língua e, principalmente, por ancorar conhecimentos de ordem cultural, histórica, filosófica, política e linguística as ações previstas e tomadas foram cuidadosamente adaptadas, a fim de que seu teor não fosse comprometido, e, principalmente, organizado numa sequência didática, que segundo Nery (2007),

Sem que haja um produto, como nos projetos, as sequências didáticas pressupõem um trabalho pedagógico organizado em uma determinada seqüência, durante um determinado período estruturado pelo(a) professor(a), criando-se, assim, uma modalidade de aprendizagem mais orgânica. [...] A seqüência didática permite, por exemplo, que se leiam textos relacionados a um mesmo tema, de um mesmo autor, de um mesmo gênero; ou ainda que se escolha uma brincadeira e se aprenda sua origem e como se brinca; ou também que se organizem atividades de arte para conhecer mais as várias expressões artísticas, como o teatro, a pintura, a música etc.; ou que se estudem conteúdos das várias áreas do conhecimento do ensino fundamental, de forma interdisciplinar. (BRASIL, 2007, p. 114) 






Neste sentido, entendendo que a abordagem linguística pode ser sobre o estado atual ou histórico, neste último caso, chamado de estudo diacrônico, a análise evolutiva no eixo da sucessividade da língua foram motivadores para a organização do trabalho aqui descrito. O que será que as pessoas começaram a falar primeiro? De onde veio o alfabeto? Será que as letras do alfabeto sempre foram assim? Tendo como apoio a coleção O homem e a comunicação, especificamente, O Livro das Línguas e O Livro da Escrita, de Ruth Rocha e Otávio Roth, a empreitada deste processo iniciou-se com as obras, juntamente, com os vídeos sobre a cultura escrita disponibilizados no Youtube.
Para o conhecimento da origem da língua portuguesa a contação de história foi instrumento escolhido, seguido do registro em desenho. Por meio dele foi possível verificar que as crianças tiveram apego maior nas circunstâncias de conquistas de terras, onde os povos conquistados aprendiam a língua falada pelos conquistadores. Entretanto, para consolidar os saberes clipes musicais de Pindorama, da Palavra Cantada, Tu Tu Tu Tupi da Turma do Cocoricó e a presença permanente do mapa mundi na sala de aula, materializou o conteúdo temático


.

Com a tomada de consciência de que a língua portuguesa foi trazida e que o que hoje falamos, lemos e escrevemos é um pouco diferente daqueles tempos passados e, que quando os portugueses chegaram ao Brasil, o modo de falar se espalhou por toda a extensão e misturou-se com o modo de falar dos índios e mais tarde com o dos africanos, a próxima etapa do trabalho se pautou, exclusivamente, no conhecimento da cultura indígena, seguida da africana. Lendas folclóricas de cunho popular e obras como Abaré, de Graça Lima, foram narrativas que destacaram mais a presença e a participação dos indígenas no processo de formação do Brasil em detrimento ao processo de colonização sofrido e apontado por estudiosos como alvo,

[...] A nossa história tem sido sempre descrita como a história da colonização, como a narrativa da transferência de pessoas, instituições e conhecimentos para um novo cenário, não-europeu, sobre o qual estas vieram a estabelecer um progressivo controle, dando origem ao marco territorial atual (BRASIL, 2006, p.17).

Especificamente, Abaré, amigo em tupi-guarani, motivou a imersão no universo linguístico indígena e impulsionou a tomada de conhecimento de futuros vocábulos. No caso, decidiu-se o léxico de substantivos próprios, pois nesta época do ano letivo (1° bimestre) o nome é um conteúdo curricular trabalhado intensamente. Para tanto, o uso da pesquisa como instrumento de trabalho foi uma estratégia que permitiu as crianças descobrirem que, além de Bauru, cidade natal, alguns familiares tinham nomes de origem indígena, por exemplo depoimentos do tipo “Prô, minha avó chama Jaci.




O filho do vento e Contos ao redor da fogueira, de Rogério Andrade Barbosa, também apoiaram esta etapa da sequência didática que focara a tomada de conhecimento da cultura, neste caso a africana. Entretanto, em um determinado ponto da narrativa Kumbu descreve a grande feira semanal “[...] Meninos tocavam bandos de cabras e carneiros, enquanto os donos, com seus rostos escondidos por trás de turbantes, passavam lentamente e, seus camelos” (BARBOSA, 2009, p. 23). Nesta passagem o turbante é citado e toma a curiosidade das crianças “Prô, que é turbante?” Em vista da curiosidade e do uso eventual do turbante por uma funcionária da escola, decidiu-se, em momento posterior, realizar uma oficina de turbantes liderado por Nina Barbosa e Ozias Japhette, africana de Benin com a trançadeira Laís Ribeiro. Na oportunidade da oficina houve a entrevista com a africana que esclareceu sobre sua terra natal e cultura.








Dando continuidade a pesquisa novamente foi instrumento de trabalho, porém com nomes de origem africana. Visto que, todo este acervo de nomes oriundos de outras culturas estava sendo inserido no cotidiano dos alunos, fazer um dicionário de nomes próprios, o “Nomenário” para organizar esses saberes foi uma alternativa pertinente e que materializou a função da ordem alfabética: organizar. Dentro deste contexto de palavras com diferentes origens e que ainda são usadas pelos falantes, notou-se que é importante dentro do processo de alfabetização oportunizar essa combinação longa e complexa da língua.





Ainda que, a origem e história da língua portuguesa no Brasil pareça não inteligível aos alunos de faixa etária de 5 e 6 anos, este trabalho considera que as crianças entendem dentro das suas condições de apropriação. Também há o alerta para o fato de que passou da hora da escola reduzir o seu trabalho com as culturas que influenciaram a nossa língua apenas nas datas comemorativas, no caso 19 de abril (Dia do Índio), 13 de maio (Libertação dos Escravos) e 22 de agosto (Folclore). E o pior, a existência de um trabalho em que se prioriza mais o estereótipo e o sofrimento em detrimento a grande contribuição desses povos.


REFERÊNCIAS

ASSIS, L, M; NEDER, M, A, V. Estudos diacrônicos do português: guia de estudos. Lavras: UFLA, 2013.

BARBOSA, R, A. Contos ao redor da fogueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília:LACED/Museu Nacional, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: MEC, 2007.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Poesia concreta na alfabetização: indícios de letramento

Poema de Abertura
Se de médico, poeta e louco
todos nós temos um pouco.
Eis aqui o meu pouco,
ou  talvez o meu muito.

A minha ousadia
em tentar a cada dia
da sala de aula para as linhas
desabrochar a minha poesia.

Linhas carregadas de fantasia
E muita, muita imaginação,
Entretanto, a pureza dos alunos
é a motivação deste refrão.

Nossa Alice no país da poesia
desta vez não fez pergunta não.
Indicou-nos o caminho a seguir
mostrando a fitinha da realização. 

Ah, como as crianças são!
Para chegar ao impossível
basta crer que é possível.
Está aqui a materialização.

O que cabe dentro de um livro?
Foi a proposta da lição
e surpreendemente fez nascer
esta ideia com grau de ebulição.

Amanda, Roberta e Jamilly
Falantes para dedéu.
que com seu jeitinho
Fizeram das palavras um mel.

Graziela, Emilly e Aline
Gustavo, Rafael e Thierry
Leonardo, Lucas e Yasmin
poetizaram com o bêbado  assim,    assim,    assim... 

Otávio, Roberto e Helany
Julia, Kauan, Duda e Myrela
merecem aplausos pela dedicação
cada um na sua condição. 

Outros também se aventuraram
Cauã, Victor Hugo, Vinícius,
Nickolas, Vitoria e Evellyn,
completam o time de poetas mirins.

E eu? O que senti? O que vivi?
Detalho brevemente nestes versos.
Brincar com as palavras, admito
foi encantador, foi um atrito.

Afinal, poema é um jogo de sentidos.
Jogo de receber e refazer.
Convido você e todos sem exclusão
conhecer este gênero e se entreter com  PAL   PI   TA  ÇÃO. 


Luciana Apolonio Rodrigues Carneiro

Professora Educação Básica / Ensino Fundamental do 1° ano “A”

Conheça o livro!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

As contribuições da poesia concreta no processo de alfabetização



A poesia é literalmente um convite, uma inesgotável fonte de possibilidades, uma manifestação de um olhar em relação ao mundo, afinal ela dispensa objetividade. A obra de José Paulo Paes endossa tamanha potencialidade deste portador de texto,
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
(PAES, 2009, P. 10)


      Especificamente, aqui neste trabalho, a teoria da poesia concreta apresenta-se como uma ferramenta pedagógica favorável no processo de alfabetização em virtude da sua singularidade: características visuais.
Assis (2011) afirma que,
“a poética concreta se assenta em bases lúdicas, num continuum montar e desmontar do próprio código: um brinquedo verbal, visual, sonoro, um jogo anagramático para aqueles que gostam de buscar na palavra, o tesouro escondido, ou ainda, de observar a dança da palavra, o desenho que gestualiza cores, sons, enfim, sinestesias em um único objeto poético. “ (ASSIS, 2011, P.174)
Assim, considerando perfil de desenvolvimento infantil da perspectiva Histórico-Cultural, podemos nos valer que nas das turmas de 1° ano (5 e 6 anos) as atividades principais das crianças encontram-se em transição: da atividade do brincar para atividade de estudo. Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico proposto para esse tipo de grupo fica teoricamente apoiado num perfil de classe de aprendizagem lúdica em que o processo de aquisição da leitura e da escrita perpassa também na apropriação de conceitos e procedimentos relativos às diversas áreas do conhecimento.
Marcuschi (2002, p. 22) afirma “ (...) a língua é tida como uma forma de ação social e histórica”, portanto se a escola colocar os gêneros textuais à serviço do aluno, nada mais nada menos,  é trazê-lo para a prática social.
Exclusivamente neste estudo, o poema concreto, foi um recurso para uma sequência didática.


O contato/familiarização do acervo disponibilizado na plataforma Google garantiu uma diversidade do portador textual que, por fim canalizou-se para a temática de animais. Notou-se que, visualizar imagens criadas exclusivamente pela engenharia de letras, com pouco ou sem traçados, causou certo estranhamento, iniciando assim possível quebra do estereótipo de que somente é possível usar linhas para ilustrar ideias.
A criação teve as vogais como matéria prima e as letras móveis serviram de instrumento para o brincar de fazer poesia. Miguez (2009) garante que “(...) toda criança, na criatividade de suas brincadeiras é um poeta, e todo poeta é um menino crescido com olhar virgem da infância. Ambos conseguem ver todas as coisas com olhar da primeira vez.” (MIGUEZ, 2009, P. 36).

Nesse brincar de fazer poesia a intenção pedagógica se fez presente uma vez que as criações deviam partir da letra inicial estudada dentro do eixo semântico animais. Caso a circunstância de estudo fosse a letra A a criação da poesia concreta tinha que se basear em animais iniciados por ela, tais como aranha, abelha, arara etc. Assim sucessivamente com as demais vogais. As contribuições visuais dessa ação foram nítidas, pois a experiência serviu como referência para escrita “ É o A da aranha, não é professora? “

Em seguida o plano de criação teve como suporte o papel. Nele as criações tinham como objetivo a liberdade, romper modelos.  Falas como “ Isso não parece um elefante, não é professora?”  se fizeram presentes, sem contar a repetição intensa do propósito da atividade: utilizar a letra inicial da palavra como riscador - desafio para as crianças que a todo momento tinham a preocupação em representar suas criações o mais próximo do real. Porém, a socialização das produções foi o momento nobre para ampliar os olhares e respeitar a poética própria e alheia.
O último plano de criação foi o digital. Com o aplicativo Power Point foi possível aos alunos o brincar de fazer poema com a disposição das letras. A Tecnologia tida como plataforma inicial das atividades tornou-se também a plataforma final das produções e, diga-se de passagem, foi o suporte que mais despertou interesse e ousadia.



Campos e Freitas (2009) destacam os benefícios da engenharia de letras que a poesia concreta se permite e que segundo estudos históricos  apontam o francês Apollinari como um explorador desses versos figurados e que acabou intitulando-os de Calligrames  -  neologismo  formado por duas palavras calligraphe e ideogramme.
                       
Defensor do verso livre, Apollinare a quem também é creditada a invenção do termo surrealismo, não se baseava numa teoria a priori, mas no princípio da criação, do vir da imaginação e da intuição, para aproximar a natureza, uma fonte pura na qual podemos beber sem nenhum risco de envenenamento. Isto não significa imitá-la, e sim interpretá-la, de acordo com a sensibilidade do artista. “ (CAMPOS e FREITAS, P. 5)

            Para os poetas o caligrama ou poema concreto é a união da imagem e escrita e esta relação permitiu aqui neste trabalho sistematizar as possibilidades das contribuições de um gênero textual até então pouco explorado e/ou utilizado nos anos iniciais, especificamente no processo de alfabetização.

            Então, que tal brincar de poesia? Miguez (2009) destaca com louvor que “Todo grande leitor é recriador do texto” (MIGUEZ, 2009, P.46) e aceitar o Convite do poeta José Paulo Paes (ex)põe em jogo um gênero inovador para as práticas de sistematização e reflexão sobre a língua materna.


REFERÊNCIAS

ASSIS, A. C. H. Na infância todo corpo poético é concreto. POIÉSIS - Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, v.4, n.7, p. 173-186, jan/jun 2011.


BEZERRA, M. A; DIONÍSIO, A. P; MACHADO, A. Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.


BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: trabalho com gêneros textuais na sala de aula: ano 2, unidade 5/ Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2012.


CAMPOS, J. L; FREITAS, R. Caligrama e formulação gráfica: Uma rápida digressão sobre o design a partir de Foucult, Magritte e Apollinare. 2009. Disponível em http://bocc.ubi.pt/pag/bocc-campos-jorge-caligrama.pdf . Acesso em 11 set. 2013.


MIGUEZ, F. Nas arte-manhas do imaginário infantil: o lugar da literatura na sala de aula. Rio de Janeiro: Singular, 2009.


PAES,J.P. Paraiso. In Poemas para brincar. São Paulo. São Paulo: Ática, 1995, p. 10.